quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Pobreza extrema e insegurança alimentar aumentaram na América Latina e Caribe em 2013

por Redação da ONU Brasil 27/02/2014
Banco Mundial

O número de pessoas em situação de pobreza extrema passou de 66 milhões para 68 milhões na região da América Latina e Caribe em 2013, mostra estudo da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO). Já o dos que vivem na pobreza se manteve estável na comparação com 2012, somando 168 milhões.
De acordo com o Boletim de Segurança Alimentar e Nutricional da FAO, o crescimento econômico de 2,6% e a inflação de 10,2% referente exclusivamente aos alimentos prejudicaram o acesso aos alimentos.
Mesmo com o crescimento 0,5% inferior que em 2012 e do acesso aos alimentos dificultado pela inflação 1,3% maior, outros aspectos da segurança alimentar, como disponibilidade e estabilidade dos alimentos foram considerados em bom estado.
O documento afirma, ainda, que os governos implementaram ações para melhorar o estado nutricional de suas populações, particularmente em relação aos hábitos alimentares e suas consequências.

Rodrigo Pizeta Especialista em Gestão Ambiental

Fome e despojo por viver ao lado do petróleo etíope

por Ed McKenna, da IPS 27/02/2014
Segundo informações não confirmadas, a população ogaden, principalmente pastoril, é expulsa de suas terras próximas a jazidas de petróleo e gás no sudeste da Etiópia. Foto: Rudolph Atallah/IPS
Adis Abeba, Etiópia, 27/2/2014 – Enquanto capitais estrangeiros se preparam para extrair petróleo e gás no atribulado sudeste da Etiópia, aumentam as denúncias de violentos despejos do povo somaliano de suas terras, agravando velhas tensões separatistas. “Os recursos nessa região tornarão a Etiópia rica, mas nós continuaremos sendo pobres. Tudo o que podemos esperar é um acordo que garanta nossa reclamação de parte dos benefícios econômicos de nossos recursos naturais”, disse à IPS o fundador da Frente para a Libertação Nacional de Ogaden (FLNO), Abdirahman Mahdi.
Os ogaden são clãs da etnia somaliana, um povo que habita a totalidade da Somália, o sudeste da Etiópia e partes do Quênia, Djibuti e Iêmen. A derrubada do ditador etíope Mengistu Haile Mariam, em 1991, desatou um conflito de duas décadas entre o governo e a FLNO, que luta pela autodeterminação de oito entre dez milhões de somalianos etíopes que vivem na bacia de Ogaden, dentro do Estado Regional Somaliano. A forte resposta paramilitar do governo à insurgência criou “uma crise humanitária em toda Ogaden, onde metade da população vive na fome”, explicou Mahdi.
Reportagens sobre despejo forçado e abusos contra os direitos humanos perto de jazidas de petróleo e gás estão criando uma nova onda de descontentamento local contra o governo. “O exército veio à nossa comunidade e queimou nossas casas e nossas plantações. A situação está piorando, pois as forças armadas querem eliminar muitas aldeias para explorar gás”, contou à IPS um homem ogaden que pediu para não ser identificado. “Muitas pessoas dessa área foram presas. Não sabemos onde estão ou se estão vivas”, acrescentou.
* A confirmação de enormes reservas de petróleo e gás em ogaden engrossará a riqueza da Etiópia, enquanto empresas estrangeiras de energia começam a investir.
* Os depósitos de gás de Ogaden representam 2,7 bilhões de pés cúbicos em uma área de 350 mil quilômetros quadrados.
* Três companhias de petróleo estão na fase final da exploração na área: Africa Oil (Canadá), Southwestern Energy (Hong Kong) e GCL Poly Petroleum Investiment (China).
A Etiópia se converteu na economia de mais rápido crescimento na África, e logo poderá ser um país petroleiro. Mas o bloqueio do governo aos ogaden impede que essa população pastoril e nômade se beneficie dos ganhos derivados do desenvolvimento do país. Nessa etapa, é muito pouco provável que sejam consultados sobre a exploração de recursos, observou o professor Tobias Hagmann, especialista em assuntos ogaden da Universidade Roskilde, da Dinamarca. “Não permitem que manifestem suas discrepâncias políticas. Como permitirão que participem das decisões sobre o desenvolvimento?”, questionou à IPS.
O porta-voz do governo, Shimeles Kemal, garantiu à IPS que a riqueza petróleo e gás “contribuirá para o desenvolvimento do Estado Regional Somaliano, incluída a região de Ogaden”. Organizações de direitos humanos afirmam que o governo impede que se preste ajuda humanitária a uma das regiões mais pobres do país e está gerando um êxodo de milhares de refugiados.
Claire Beston, pesquisadora da Anistia Internacional sobre a Etiópia, disse à IPS que a ofensiva do governo contra a população somaliana ogaden “restringe severamente o acesso à região, inclusive para as agências humanitárias, e também impôs importantes limitações à informação que sai dali sobre a verdadeira situação humanitária e de direitos humanos”.
Em dezembro de 2013, a Associação da Diáspora Ogaden Europeia enviou uma carta à União Europeia pedindo que congele a ajuda à Etiópia enquanto persistirem os abusos contra os ogaden. “Vivemos sob um embargo político e econômico. Pedimos que as organizações possam circular livremente, pois a situação humanitária é crítica”, destacou Mahdi, chefe da insurgente FLNO.
A GCL Poly Petroleum Investment, da China, assinou em novembro de 2013 um acordo com a Etiópia para explorar reservas de gás em Calub e Hilala, parte de Ogaden. Um mês depois, a FLNO denunciou que a força de segurança estadual, conhecida como polícia Liyu, queimou pastagens das comunidades próximas às jazidas de Calub e Hilala.  A ofensiva militar na região tornou impossível verificar essas informações.
A organização Human Rights Watch (HRW) informou, em 2012 que a polícia Liyu estava cometendo assassinatos extrajudiciais como forma de castigo coletivo. “A polícia Liyu havia executado sumariamente dez homens em três dias de vandalismo contra uma série de aldeias. Esses ataques, assim como abusos prévios cometidos pelo governo etíope em sua campanha contra a insurgência, ocorrem com total impunidade”, ressaltou à IPS a investigadora Laetitia Bader, da HRW.
O diálogo parece ser a única maneira de combater o descontentamento no principal clã ogaden, o Darod, que representa quase metade da população somaliana na Etiópia e constitui a coluna vertebral da FLNO. Contudo, as conversações de paz entre a FLNO e o governo, que aconteciam no Quênia, foram interrompidas em setembro de 2012 e seu reinício está comprometido pelo sequestro de dois negociadores ogaden, cometido em janeiro por agentes etíopes em Nairóbi.
“A reclamação da FLNO sobre falta de responsabilidade das empresas petroleiras internacionais em Ogaden é válida. Além disso, o principal clã da região está muito frustrado pelo contínuo assédio e pela ausência de direitos políticos e civis”, pontuou Hagmann. “Eles apoiam a FLNO porque é a única oposição organizada. Não é a melhor opção, porque muitos ogaden não a apoiam, mas é a única opção para aqueles que são marginalizados pelas políticas do governo”, enfatizou. 

Rodrigo Pizeta Especialista em Gestão Ambiental

Os papéis culturais e afetivos da comida

por Juliana Dias 27/02/2014



Pouco notamos. Porém, muito mais que consumo, aquilo que nos alimenta também conduz emoções, aprendizado social, evocação de memórias e pertencimentos.
Os hábitos alimentares, afirma o antropólogo norte-americano Sidney Mintz, são veículos de profunda emoção. Para o autor, a comida e o comer são centrais no aprendizado social por serem atividades vitais e essenciais, embora rotineiras. As atitudes em relação à comida são aprendidas cedo e bem. Na visão de Mintz, esse comportamento alimentar é nutrido por adultos afetivamente “poderosos”, que conferem um poder sentimental duradouro. Assim, ele explica que o lugar onde crescemos e as pessoas com quem convivemos vão aos poucos construindo um material cultural. Esse material dá forma ao nosso comportamento alimentar que “se liga diretamente ao sentido de nós mesmos e à nossa identidade social” (2001, p 31). A maneira como nos alimentamos revela constantemente a cultura em que estamos inseridos.
Ao longo dos anos os hábitos alimentares podem mudar completamente. E essa mudança desvela as facetas do comer, pois para Mintz esse comportamento pode, simultaneamente, ser o mais flexível possível e o mais arraigado de todos os costumes. “Há uma estranha congruência entre conservadorismo e mudança que nos acompanha no estudo da comida”, explica o autor, que se dedicou a estudar a função social da alimentação, a partir de espécies únicas como açúcar e soja. Apesar das evidentes mudanças no gosto e nas preferências de cada pessoa, a memória e o peso do primeiro aprendizado alimentar, e algumas das formas sociais aprendidas, talvez permaneçam para sempre em nossa consciência, como sugere o antropólogo. Para comprovar sua tese, ele cita a madeleine de Proust como o caso mais famoso.
O francês Marcel Proust atribuiu ao olfato e paladar o poder de convocar o passado. O escritor do clássico Em busca do tempo perdido dedicou à madeleine, bolinho de limão em forma de concha, e ao chá, o resgate de sua memória de infância. Essa experiência marca sua vida de maneira indelével, pois ele retoma com vigor o seu exercício da escrita. Antes desse encontro gustativo, sua carreira estava fadada ao fracasso. Ele vivia recluso e doente num quarto em Paris, mas a comida lhe restaurou as forças. A descrição sobre esse momento testemunha o quanto a memória está ligada ao que comemos: “Mas no mesmo instante em que aquele gole, de envolta com as migalhas do bolo, tocou o meu paladar, estremeci, atento ao que se passava de extraordinário em mim. Invadira-me um prazer delicioso, isolado, sem noção da sua causa. Esse prazer logo me tornara indiferentes às vicissitudes da vida (…)” (1983, p. 31).
Na recém-lançada obra póstuma O Cozinheiro do Rei (Ed. Madras), de Zé Rodrix, encontramos a força da experiência proustiana num menino índio, de aproximadamente 5 anos, chamado Pedro Karaí. Se Proust revive com madeleines na França, Karaí renasceu com mingau de tapioca com farinha de peixe na tribo dos Mongoyós, à beira do Rio de Contas, no sertão da Bahia.
Em uma brincadeira rotineira de pular no rio, o menino bateu com a cabeça numa rocha. Ficou desacordado, perdeu os sentidos e vivenciou a morte de perto. Ele também estava num momento crítico, entre a vida e a morte, tal qual Proust, quando alguma coisa que ele não via, “exalava um cheiro delicioso que penetrava as narinas e lhe enchia a boca de água”. O olfato e o paladar convocaram o breve passado do menino, como intuiu Proust, ao ser tocado pela madeleine com o chá. No caso brasileiro, a visão foi incluída nessa experiência multissensorial. A comida vai além de saciar o estômago.
A receita que mudou o olhar de Karaí foi preparada por sua mãe, um desses adultos “poderosos”, citados por Mintz, que marcou o filho com um poder sentimental duradouro. Remete também à comida como medicamento, o cuidado e o amor expressos numa refeição preparada especialmente para alguém. Na descrição, identifico também elementos do conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), ao falar sobre o acesso a alimentos de qualidade, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde (MALUF, 2007, p. 17).
A descrição de Rodrix, músico e compositor, é rica, poética e emocionante como a de Proust, só que com a comida brasileira, o que remete implacavelmente a nossa identidade social, confirmando a tese de antropólogo: comida é memória; comida é cultura. A mandioca, considerada pelo folclorista Câmara Cascudo, Rainha do Brasil, foi o elo de ligação com a memória do pequeno índio, trazendo uma nova perspectiva sobre o que significa comer e, assim como no caso do escritor francês, marcou sua trajetória radicalmente. Rodrix faleceu em 2009, e uma de suas canções mais conhecidas é “Casa no Campo”.
A seguir, o relato de Karaí, o qual considero nossa genuína experiência proustiana:
“Minha mãe trazia nas mãos uma cuia de cabaça cheia de alguma coisa que eu não via, mas que exalava um cheiro delicioso, que me penetrava as narinas e me enchia a boca de água. Quando ela colocou em frente à minha boca, erguendo-me o pescoço para que pudesse nela encostar meus lábios, a visão da superfície cinzenta e brilhante me encheu os olhos de lágrimas. O mingau de tapioca com farinha de peixe, feito com todo o cuidado sobre as brasas de uma fogueira do dia anterior, escorreu por minha boca, acariciando-me a língua e revestindo de delícias as paredes da minha garganta. Entrou por meu organismo adentro, enchendo meu estômago de alegria e paz, fazendo-me perceber, pela primeira vez na vida, o que era a fome e sua satisfação. Pensei, com minha cabeça de menino índio, que a coisa mais bela da vida era dar de comer a quem tem fome.
“Nunca havia sentido apetite (…). Mas de repente me interessava muito esse fenômeno estranho, que cresce como uma dor e uma falta, e se esgota não apenas pela quantidade, mas principalmente pela qualidade mais difícil de reter: o sabor. Misto de cheiro e paladar, com grande influência da visão que dela se tenha, a comida é o sabor aprisionado, que se libera gradativamente em contato com o nosso corpo, enchendo de prazer cada um de nós, até que a falta de novo se instale em cada um, e de novo precise ser preenchida (…). De uma maneira determinada, tudo estava incluído no cheiro, na visão e no gosto daquele mingau de tapioca com farinha de peixe, primeira inclusão de meu corpo em um universo no qual viveria minha vida e do qual extrairia, em doses às vezes díspares, às vezes insuportáveis, o terror e a felicidade que a todos acompanham nossa viagem pelo mundo”. (2013, p. 29-30).
Ao trazer essas experiências para o contexto da divulgação de informações sobre alimentação e da Educação Alimentar e Nutricional, devemos nos lembrar do diálogo entre Proust, Karaí e Mintz. As experiências proustianas se repetem permanentemente, em diferentes cenários culturais. Esse adulto, responsável por transmitir o material cultural comestível, pode ser representado por diversos atores sociais, como a família (pai, mãe, avós e tias); merendeiras; cozinheiros; e nutricionistas. Só não deveria ser representado por indústrias alimentícias que estão de olho nessa relação duradoura, somente pelo lado do consumo.
Na interseção entre alimentação e educação, as ideias do sociólogo Carlo Petrini, fundador da associação Slow Food, sustentam que o aprendizado deve ser saboroso e com corpo inteiro, não apenas com o intelecto. No documento Manifesto pela Educação (SLOW FOOD, 2010), destaco alguns princípios que se alinham com a experiência proustiana, e podem servir de inspiração para colocar em prática o sabor do conhecimento pela comida e pelo comer.
Para o Slow Food, a educação “é um caminho íntimo, que envolve a dimensão cognitiva, experiencial, afetiva e emocional; alimenta-se do contexto no qual se encontra, valorizando memória, saberes e culturas locais; desenvolve a consciência de si mesmo, do próprio papel e das próprias ações; e promove mudanças, gerando pensamentos e comportamentos novos e mais responsáveis”. Nesse diálogo, convido também o educador Paulo Freire ao sugerir que não se deve separar o cognitivo do emocional no aprendizado: “estudamos, aprendemos, ensinamos e conhecemos (…) com o nosso corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e com a razão crítica (1998, p. 8). Mintz, Proust, Karaí, Petrini e Freire postos numa mesma conversa nos mostram a centralidade de alimentação para o indivíduo e a sociedade; e como os sentimentos que nos alimentam são capazes de acessar a realidade e, por vezes, transformá-la.
Referências bibliográficas


FREIRE, Paulo. Professora sim, Tia não: Cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’ água, 1998.
MALUF, J,S, R. Segurança alimentar e nutricional. Editora Vozes, Petrópolis, RJ, 2007.
MINTZ, S. Comida e antropologia: uma breve revisão. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n º47, p 31-42. 2001.
________SLOW FOOD. Manifesto pela Educação. VII congresso Nacional, Albano Terme, 16 de maio de 2010. Disponível em http://www.slowfoodbrasil.com/campanhas-e-manifestos/711-manifesto-slow-food-pela-educacao.
PROUST, Marcel. No Caminho de Swann. Trad. Mário Quintana. São Paulo. Ed. Abril Cultural, 1982.
RODRIX, Z. O cozinheiro do rei: as aventuras e desventuras de Pedro Karaí Raposo, entre o Rio de Contas e a Corte de 17773-1823. São Paulo, Madras, 2013.


Rodrigo Pizeta Especialista em Gestão Ambiental


quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Poder público e aquecimento global

por Reinaldo Canto, da Iniciativa Verde

O decisivo apoio à redução das emissões passa pelo entendimento sobre as suas consequências e a adoção de medidas que tragam bons resultados
Desde 2007 uma portaria da Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente da capital paulista, definiu a obrigatoriedade de se compensar a emissão de gases de efeito estufa (GEEs) de todos os eventos realizados em parques municipais da cidade. Essa portaria define o plantio de árvores como a forma correta de se cumprir a determinação legal.
A Iniciativa Verde é uma das organizações que tem participado deste processo, sendo contratada por algumas das empresas para compensar a emissão de seus eventos. Graças a portaria, a Iniciativa Verde compensou mais de 100 eventos e plantou cerca de 40 mil árvores correspondentes a 24 hectares, o equivalente a dois Parque da Aclimação que possui 112 mil m².
Além da aprovação da Secretaria do Verde, as empresas organizadoras desses eventos receberam também o selo Carbon Free atestando a compensação dos impactos gerados pela emissão de gases de efeito estufa. Todas as árvores plantadas pela Iniciativa Verde são nativas da Mata Atlântica e contribuem para recuperar áreas degradadas e ajudam a proteger mananciais e fontes de água. Entre os eventos mais conhecidos do público compensados pela organização podemos destacar o São Paulo Fashion Week e o Festival de Cultura Japonesa

Para Lucas Pereira, diretor da organização e responsável pelo Carbon Free, a portaria é muito positiva, pois: “contribui para a mitigação do carbono equivalente emitido, mas também serve de ação educativa e conscientização e que pode tranquilamente ser adotada por outras cidades e mesmo áreas privadas de eventos”.

Maiores responsabilidades do setor privado
Entre os principais argumentos utilizados para a adoção da portaria, estava a necessidade de reduzir os impactos ambientais, o que no caso dos parques, em exposições artísticas, culturais e atividades esportivas e de lazer, causados, entre outros, no deslocamento de pessoas para participar desses encontros, além dos consumos de água e energia e na geração de resíduos. Tudo sendo contabilizado e transformado em carbono equivalente.
O fato de um crescente movimento de empresas buscarem compensar voluntariamente suas emissões também é destacado na portaria como uma tendência global e que, portanto, a Prefeitura não estaria “inventando a roda” ou trazendo dificuldades para os organizadores de eventos, mas sim cumprindo seu papel em legislar a favor da sociedade.
O sucesso da medida merece ser preservado
A Iniciativa Verde também considera fundamental manter intacto o princípio básico da portaria que destaca: “A empresa, associação ou indivíduo responsável pelo evento deverá apresentar, no ato da assinatura do termo de responsabilidade, a estimativa técnica das emissões de GEE que serão geradas pela atividade e a compensação dessas emissões EM PLANTIO DE ÁRVORES”. Para o presidente da organização, Roberto Resende, a possibilidade de se utilizar de outras formas de compensação sem o plantio de árvores, pode ser mais barato para os organizadores, mas mesmo que também tenha o seu valor, acaba por enfraquecer os objetivos propostos pela portaria. Segundo ele, “o plantio de árvores é uma alternativa de compensação superior a outras, como os créditos de Carbono, pois reúne vários benefícios. Além do efeito global também contribui localmente, ao melhorar a paisagem, proteger os recursos hídricos e a biodiversidade. Este tipo de projeto também gera emprego e renda mais perto das atividades que provocaram as compensações. É muito melhor quando um projeto pode, além de contribuir para mitigar as mudanças climáticas, proteger os mananciais da cidade”.
Desta forma a Iniciativa Verde tem discutido com outras ONGs e agentes públicos não só a manutenção desta norma, mas a sua ampliação, tanto em formato legal quanto em efeitos. A proposta é apresentar um Projeto de Lei para tornar obrigatória a realização de inventários e de compensações, pelo plantio de árvores, por todos os eventos de grande porte realizados na cidade de São Paulo.

Além do caráter educativo, a nova lei pode ampliar, sem onerar significativamente o setor, a possibilidade de financiamentos de projetos de recuperação florestal de interesse da população paulistana.


Rodrigo Pizeta Especialista em Gestão Ambiental

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

ESPECIAL: Sem copa verde

por Elaíze Farias, para a Agência Pública 25/02/2014
Fiscalização do Ministério Público do Trabalho na Arena

Vendida como a capital da floresta, Manaus acumula decepções com as obras – que já mataram três operários – sem retorno para os moradores; e pode decepcionar os visitantes com as marcas da degradação urbana e da desigualdade social
A arena de futebol custou aos cofres públicos mais de R$ 600 milhões e ninguém sabe o que será dela depois; a reforma do porto consumiu R$ 71 milhões de recursos federais (via DNIT) e teve o processo de licitação contestado – as obras foram há pouco retomadas mas ainda não se sabe o porto estará pronto antes da Copa. As obras do aeroporto internacional Eduardo Gomes soterraram um curso d’água e desmataram um área protegida da capital amazonense. Os centros de treinamento – dois – não têm data para abertura.
Quando Manaus foi escolhida para sediar quatro jogos da Copa, a decisão foi saudada pela imprensa local e por políticos e um clima de euforia reinou na cidade. Uma lista de projetos que fariam parte “do legado da Copa” entrou nas agendas de discussão dos gestores públicos e passou a pautar reportagens e debates: obras de mobilidade urbana, incremento da rede hoteleira, revitalização de áreas degradadas, melhorias no transporte público. Até mesmo um projeto de geração de energia solar, que seria instalado no entorno da Arena da Amazônia, foi previsto no pacote.
A maioria dos projetos foi abandonada ao longo do caminho e a população não esqueceu. Pressionados agora a dar uma resposta à sociedade, os gestores públicos se empenham em anunciar como “legado” intervenções de menor porte, planejadas a toque de caixa, na área de segurança pública, do trânsito urbano.
O desapontamento com o (não) legado da Copa vem acompanhado pelo desalento trazido pela morte de três operários ao longo da construção da Arena da Amazônia: foram duas mortes em 2013 e uma nesse início de fevereiro de 2014. Uma quarta morte, embora não associada diretamente a acidente de trabalho, também trouxe comoção ao canteiro de obras – um trabalhador morreu vítima de infarto – e marcou Manaus com a cidade-sede da Copa com o maior número de acidentes fatais durante os preparativos para o megaevento. A construtora Andrade Gutierrez – uma das mais beneficiadas pelas obras da Copa no país – é alvo de uma ação por dano moral coletivo e, em 7 de fevereiro deste ano, o Ministério Público do Trabalho pediu prioridade no julgamento dessa ação contra a responsável pela obra, no valor de R$ 20 milhões.
Momento “positivo”
Nem mesmo o gestor da Copa – como é informalmente conhecido o cargo de coordenador da Unidade Gestora do Projeto Copa em Manaus (UGP Copa), criado pelo governo do Amazonas – Miguel Capobiango, cita mais as prometidas obras de mobilidade e revitalização urbana ao falar do legado da Copa. “O principal legado que a Copa vai deixar para Manaus é a visibilidade”, ele diz. “E ela trará turistas. Então, é preciso tentar dentro do projeto da Copa fazer com que este momento de visibilidade se torne um momento positivo”, incentiva.
Não vai ser fácil mostrar um cenário tão “positivo” para os visitantes. Embora detenha o sexto PIB do país, segundo o IBGE de 2010, sobretudo por abrigar o Polo Industrial de Manaus (PIM), a cidade se destaca por sua elevada desigualdade social. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH) vem melhorando, hoje é de 0,737 (o máximo é 1), mas o Índice Gini, usado para medir a concentração de renda, indica que a desigualdade em Manaus vem crescendo: passou de 0,56 em 1991 para 0,61 em 2010 (numericamente, O significa total desigualdade e o 1, completa desigualdade).
Eliane Nascimento que vive com sua família em um barco no Igarapé de Educandos. Foto: Elaíze Farias.

 “Prometeram um legado, mas isso não passou de discurso. Está muito claro quem está ganhando com a Copa em Manaus: as construtoras, os organizadores, os dirigentes do Estado e a própria Fifa. Esses são os que vão lucrar com as grandes somas investidas. Enquanto isso, as mazelas da cidade estão expostas”, afirma Hamilton Leão, presidente do Instituto Amazônico de Cidadania (IACi), uma das organizações de Manaus mais atuantes na cobrança dos gastos públicos na cidade.
“Fazem tantas propagandas sobre a cidade que não correspondem à realidade. Se quiserem fazer um raio-X da cidade não perguntem ao empreiteiro, ao empresário, ao homem público. Vá a um bairro da periferia e consulte o cidadão comum e veja como é o dia-a-dia dele e pergunte se a Copa está trazendo algum benefício para ele”, completa.
Aposta de risco no turismo
A aposta no crescimento do turismo é um risco: Manaus tem uma rede de hotelaria pequena para o aumento projetado durante e depois da Copa. A Unidade Gestora da Copa estima que 18 mil turistas visitarão Manaus no período da Copa, enquanto Capobiango diz que Manaus tem 14 mil leitos em hotéis convencionais. Há os chamados “3 mil leitos alternativos”, instalados em motéis, locações temporárias em residências e até em embarcações localizadas na orla de Manaus.
O governo do Amazonas reservou um montante de R$ 10 milhões para divulgar o turismo pré-Copa em “ações voltadas para workshops de educação para operadores e jornalistas de turismo, nacionais e internacionais, dando ênfase aos oito países da Copa e às 11 cidades sedes do Brasil”, segundo declarações da titular da Amazonastur, Orenir Braga. As ações incluem também anúncios publicitários em revistas de bordo de companhias aéreas e revistas especialistas” e participação do órgão em feiras de turismo no exterior e no Brasil, que deverão começar em março, segundo o cronograma da Amazonastur.
Copa Verde
Localizada no centro do maior Estado da Amazônia, a capital do Amazonas, que conserva 90 % de cobertura florestal, foi escolhida como cidade-sede em 2009 mesmo sem ter nenhum time de expressão no futebol brasileiro. A surpreendente vitória contra a outra forte candidata, Belém (PA), com maior tradição no esporte, pode ser atribuída a uma boa campanha de marketing: Manaus vendeu a marca “Copa Verde” – a “capital da floresta amazônica”.
Mas a realidade urbana é bem diferente da imagem projetada. Manaus é uma cidade com arborização mínima (com exceção das poucas áreas preservadas por lei), fruto de uma política de urbanização que jamais valorizou a vegetação nativa (incluindo o próprio entorno da Arena Amazônia, onde não se vê árvores).
A preservação da arquitetura também não é o forte da cidade e a Copa parece ter contribuído para uma perda nessa área. Todos esperavam, por exemplo, que o antigo estádio, o Vivaldo Lima, chamado de Vivaldão, criado pelo renomado arquiteto Severiano Mário Porto fosse reformado. Mas, apesar da comoção em muitas pessoas que tentaram impedir sua derrubada, ele foi demolido. Somente um novo estádio corresponderia às exigências da Fifa, justificou-se.
O transporte público também é precário e as prometidas obras de mobilidade foram abandonadas. Entre as mais importantes estavam uma linha de monotrilho que faria a ligação da Zona Norte (a mais populosa de Manaus) ao centro da cidade e o corredor exclusivo para ônibus (chamado de BRT – Bus Rapid Transit). O monotrilho foi orçado em R$ 1,3 bilhão e o BRT em R$ 200 milhões e ambos seriam bancados com recursos públicos locais e federais.
Ministério Público do Trabalho vistoriou as obras no Aeroporto de Manaus

A ausência de dados técnicos fundamentando os projetos, porém, provocou uma série de questionamentos do Ministério Público Federal (MPF), do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU). A sociedade civil também questionou o traçado do monotrilho quando ele ainda estava no papel pela possibilidade de centenas de desapropriações e de impactos em área tombada pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) no centro de Manaus.
Em outubro de 2013, acatando a uma ação do MPF, a Justiça Federal do Amazonas determinou, em liminar, a suspensão das obras do monotrilho, e orientou a Caixa Econômica Federal a não liberar empréstimos para o governo do Amazonas. Até o momento, não há informações de que o governo estadual tenha recorrido da decisão, mas empresas que ganharam a licitação, em 2011, sim. O caso está no Tribunal Regional Federal (TRF1), em Brasília.
Irregularidades permanecem
O projeto do monotrilho acabou sendo retirado da Matriz de Responsabilidade da Copa e transferido pelo governo do Amazonas para o PAC da Mobilidade Urbana do Ministério das Cidades, mas isso não altera em nada a ação do MPF, já que as irregularidades permanecem como explica o Procurador da República Jorge Medeiros, que atua na área do patrimônio público.
“O monotrilho não tem a devida especificação do que deve ser licitado. Tem rubricas abertas, que constam apenas como ‘verbas´. Verbas para que? A justificativa que era que apenas depois da licitação é que seria possível determinar. O que é uma temeridade. A lei exige que o detalhamento seja prévio. Isso gera problema concreto porque, se não existe especificação antes, que já é ilegal, no momento posterior, fatalmente vai ter termos aditivos”, diz o procurador, que aponta ainda outra irregularidade identificada no projeto: a falta de observância de exigências da lei federal de 2002 que determina que os modais de transporte devam ser inseridos no contexto do plano diretor da cidade.
A Pública tentou ouvir, diversas vezes, a Secretária Estadual de Infra-Estrutura (Seinfra), Valdívia Lopes, responsável pelo projeto do monotrilho, sem sucesso.
Já o BRT foi suspenso e substituído por outro projeto, o BRS (Sistema Bus Rapid Service), também fora da matriz da Copa. Orçado em R$ 150 milhões, o BRS começou a ser implantado, de fato, nas últimas semanas e apesar do pouco tempo de funcionamento, vem sendo questionado pela população por ter sido criado sem levar em conta o fluxo real do trânsito na cidade, trazendo mais congestionamentos.
“O BRT foi retirado da Copa porque ele estava vinculado ao monotrilho. Com os complicadores em relação aos dois, a gente adotou uma medida mais simples”, explicou Antônio Nelson, diretor de engenharia da Secretaria Municipal de Infra-Estrutura (Seminf), responsável pela obra. Os R$ 150 milhões estão sendo bancados pela prefeitura de Manaus, segundo Nelson, mas a administração municipal espera receber do governo federal um empréstimo a fundo perdido da Caixa Ecônomica Federal. “O Ministério do Planejamento aprovou o projeto, mas ele ainda será analisado pela Caixa para ver se o banco libera R$ 125 milhões. Os outros R$ 25 milhões serão do tesouro da prefeitura”, disse.
Uma arena com o futuro a definir
O governo do Amazonas terá 20 anos para pagar o empréstimo de R$ 400 milhões ao BNDES destinado à construção da Arena da Amazônia. O restante dos recursos – cerca de 200 milhões, vêm dos cofres do governo estadual. Fazem parte do projeto dois centros de treinamento – o CT Colina e o CT Coroado que custaram R$ 21 milhões e R$ 14 milhões, respectivamente, ao governo do Amazonas.
As cifras assustam quando se junta a esses gastos o valor estimado para a manutenção da Arena da Amazônia: R$ 500 mil por mês, de acordo com os cálculos feitos com base nos custos do Estádio do Engenhão, no Rio de Janeiro, explica Miguel Capobiango. De onde virá o dinheiro? Isso nenhum gestor sabe responder. Sem uma equipe de futebol de peso (o time melhor ranqueado no futebol brasileiro é o Nacional, que está na Série D) e, por conseguinte, sem atrativo suficiente para chamar público para os 44 mil lugares do estádio, o futuro da Arena Amazônia virou tema de especulação: já circularam rumores de que se faria ali um presídio depois da Copa (mera especulação, logo negada pelo governo) ou um shopping center.
Miguel Capobiango diz que o governo contratou uma empresa de consultoria “para mapear o que está funcionando no Brasil e no exterior e assim estudar o mercado” de modo a “enfrentar o desafio de manter a arena sem que ela onere o poder público”. Uma eventual evolução do futebol amazonense, atualmente na quarta divisão, também é mencionada: “Com um palco adequado, o futebol passa a ter visibilidade. Se vai (o futebol amazonense) se tornar grande, isso vai depender dos operadores do futebol”, diz, evasivo.
Autor de representações no Ministério Público Federal e Estadual para tentar evitar a demolição do Vivaldão, o engenheiro industrial Jerônimo Maranhão é mais contundente quando fala no assunto: “A população vai gastar R$ 150 milhões por cada um dos quatro jogos da Copa. E depois? O que vai acontecer? Este estádio vai servir apenas para a população vê-lo todos os dias, quando passar de ônibus em frente a ele”, diz ele.
Segundo os cálculos do engenheiro, uma reforma com custo máximo de R$ 200 milhões teria preservado o antigo estádio e poupado recursos públicos. “Se era para atender exigências da Fifa, bastava, por exemplo, inclinar a arquibancada, rebaixar o gramado, entre outras intervenções”, afirma, questionando também o valor estimado para a manutenção do estádio. “Como se chega a esse valor se tudo ali é novo e está na garantia? Se, por acaso, ocorrer algum problema é a construtora que tem que responder por pelo menos dois anos”, diz.
Miguel Capobiango, o gestor da Copa, diz que não é verdade que a nova Arena se tornará um “elefante branco” como se comenta na cidade. “A Arena vai gerar serviços para a população. Se falava a mesma coisa quando foi construído o Sambódromo, em Manaus, e hoje ele é usado para caramba. Ninguém diz que o Sambódromo é um elefante branco”, diz, referindo-se ao Centro de Convenções de Manaus, mais conhecido como Sambódromo, onde acontecem atividades culturais e shows musicais.
O fim da nascente de um Igarapé
Manaus é uma cidade cortada por centenas de cursos d’água conhecidos localmente como igarapés – microbacias que, juntas, vão formar um grande rio. No caso de Manaus, o rio Negro, o segundo maior do mundo em volume de água, atrás apenas do rio Amazonas.
“A importância dos igarapés está na sua atividade biológica e química. A presença de um igarapé, além de indicar a qualidade do ambiente, também atesta a qualidade do solo. É esse ambiente que mantém a sustentabilidade da Amazônia”, explica o pesquisador Sérgio Bringel, da Coordenação de Dinâmica Ambiental do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) doutor em Hidrogeoquímica e membro do Conselho de Recursos Hídricos do Amazonas.
A maioria dos igarapés de Manaus estão poluídos e/ou foram aterrados para obras de urbanização. Os poucos que sobrevivem estão em áreas de proteção ambiental (APPs). Ainda assim, não tem a vida garantida: durante as obras de ampliação do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, por exemplo, uma das nascentes do Igarapé da Água Branca, localizado no bairro Tarumã, zona Oeste de Manaus, foi soterrada. Áreas de vegetação nativa também foram suprimidas. A obra faz parte da Matriz de Responsabilidade da Copa.
Nascente do Igarapé da Água Branca foi soterrado. Foto: Jó Farrah
A área impactada é conhecida como APP do Aeroporto foi atingida com o aval do órgão estadual Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que concedeu a licença para a obra. A nascente que desaguava em um igarapé maior, o Tarumã-Mirim, alcançando então o rio Negro, não existe mais.
O jornalista Jó Farrah, morador do Tarumã e ativista em defesa da floresta e da fauna silvestre e dos igarapés que ainda resistem por ali, denunciou os danos mas já era tarde para salvar a nascente. “Começamos a fazer denúncia no facebook no perfil do Igarapé da Água Branca e exibimos fotos. Fizemos a mesma denúncia na comissão ambiental da Assembleia Legislativa do Amazonas e depois uma visita técnica. Fomos no local e identificamos que não tem mais jeito. Soterraram tudo”.
A Infraero, responsável pelo Aeroporto Eduardo Gomes, foi acionada e, segundo Farrah, admitiu que a obra foi feita no local por opção, já que outro traçado poderia forçar desapropriações de residências, aumentando os custos. “A Infraero justificou dizendo que só havia aquela área para fazer a obra. Desapropriar sairia caro. Saiu mais barato destruir a floresta e impactar o igarapé”, diz o ativista.
Desolado, Jó Farrah diz que o Igarapé da Água Branca, um dos poucos de Manaus que tem água limpa, perderá volume com o desaparecimento da nascente. “O igarapé da Água Branca tem água cristalina, e pura e fria. Abastece e oxigena as águas poluídas da bacia do Tarumã-Mirim. Em suas águas peixes como matrinxãs, traíras, bagres, carás , sardinhas e jaraquis crescem até o tamanho certo para migrar para os rios. Sem esse igarapé este fluxo de vida morre”, diz Jó.
Igarapé Água Branca. Foto: Jó Farrah

Farrah também conta que durante as obras, o barro do aterro foi lançado na parte limpa do igarapé e muitos buritizais (palmeira típica da Amazônia) morreram soterrados pela lama. “Fizemos uma reunião com a Infraero, que se comprometeu a realizar ações de mitigação. Mas não sabemos quais serão. Agora, também passaremos a fazer outras cobranças. Com a ampliação do aeroporto, queremos saber para onde vão os efluentes já que a demanda de passageiros vai aumentar. Para onde vão jogar os resíduos? Para outros igarapés, para o rio Negro?”, questiona.
O pesquisador Sérgio Bringel explica que quando uma microbacia, como um igarapé, é impactada, além do desaparecimento de uma fonte natural e da vida que ali existia, também ocorrem danos ao solo. Ao ouvir da Pública o caso da nascente do Igarapé Água Branca, ele não tem dúvidas em classificar a obra como um crime ambiental. E, se houve licenciamento ambiental então também houve “falta de responsabilidade do órgão responsável”, ele diz.
A assessoria de imprensa da Infraero informou que, em janeiro passado, a Infraero obteve do órgão ambiental licença de instalação e disse que “todos os procedimentos administrativos e técnicos referentes ao licenciamento foram adotados previamente junto ao órgão ambiental competente”, e que “aguardará pela manifestação do órgão licenciador sobre possíveis impactos ambientais”.
Procurada, a assessoria do Ipaam informou que a obra foi licenciada e que “se houver irregularidades e descumprimento das condicionais constantes da licença ambiental”, o órgão vai tomar medidas cabíveis e divulgá-las.
Com um orçamento de R$ 444, 46 milhões, a ampliação do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes é uma promessa antiga, ressuscitada pela Copa. Com as obras, a capacidade do aeroporto, atualmente de 6,4 milhões de passageiros ao ano, subirá para 13,5 milhões ao ano, segundo a assessoria da Infraero.
Mas, além dos prejuízos ambientais, as obras do aeroporto também foram questionadas por irregularidades trabalhistas. Chegaram a ser interditadas por determinação judicial em processo movido pelo MPT. No início de fevereiro, após audiência com o MPT, as obras foram retomadas. Segundo a assessoria de imprensa a previsão é que ele seja reinaugurado no final de abril.
Barcos, palafitas e vista do Rio Negro
Quem passa apressado pela avenida Lourenço da Silva Braga, mais conhecida como Manaus Moderna, pouco tempo tem para observar os detalhes de um dos lugares mais degradados do centro da cidade e, ao mesmo tempo, um dos que possuem a vista mais bela da capital amazonense – o rio Negro. Apesar da paisagem, os turistas que visitam Manaus são direcionados para áreas mais arejadas e elitizadas da cidade, como a região da Ponta Negra, na zona Centro-Oeste da cidade.
Casas no Igarapé de Educados. Foto: Valter Calheiros

Se um cidadão se dignar a circular na estreita calçada (com vários trechos quebrados) da artéria permanentemente congestionada, vai logo perceber porque ali não há turistas. Basta se escorar na frágil mureta que a circunda e olhar para baixo para uma vista inesquecível: uma orla suja, cheia de lixo e uma fileira de embarcações atracadas no igarapé de Educandos, um dos principais e maiores cursos d´água de Manaus.
Um olhar desatento nem imagina que mora gente ali. Mas é na margem do Igarapé de Educandos, que Eliane Nascimento, 36 anos, trabalha como vigia de embarcações junto com o marido, Pedro dos Santos, e vive há cinco anos com os oito filhos em um barco cujo proprietário sumiu. “Eliane, você acompanha notícias sobre a Copa em Manaus? Sabe o que significa isso?”, pergunto. “Olha, sei pouco. Dizem que vai trazer coisas boas, mas não sei que é. Não falam para gente disso. A senhora sabe?”, pergunta de volta Eliane.
“Será que vão melhorar as coisas aqui na época da Copa?”, entra na conversa Estônia Gomes, 53, comandante de outro barco ancorado. Estônia trabalha no comando do “timão” do barco transportando produtos extrativistas de cidades do interior próximas para comercializar em Manaus. Passa a maior parte do tempo no rio, mas tem residência fixa.
Palafitas do Igarapé de Educandos. Foto: Elaíze Farias

“Seria bonito se limpassem, tirassem essa sujeira toda que se acumula há anos”, sonha Estônia. “Olha, a gente não tem nem água limpa para beber. Não tem torneira. Eu compro água do outro lado do rio, num posto de gasolina e encho várias garrafas de refrigerante PET. Imagine só. A gente morando na cidade onde tem um rio desse tamanho”, lamenta.
A cerca de 300 metros dos barcos ancorados estão as palafitas, cujos donos não sabem até quando vão ficar. As moradias erguidas em estacas de madeira com mais de 30 metros para resistir à cheia do rio, que davam a Manaus o aspecto de “cidade flutuante”, perderam sua aura romântica entre o odor do esgoto e o lixo jogado no rio. Os canoeiros continuam a fazer o transporte entre as orlas e as casas, oferecendo serviços pagos. Foi de uma canoa, que a Pública conseguiu conversar com alguns moradores, que ainda sonham com melhorias também na área de Educandos. “Estou aqui há 15 anos. Gostaria de sair, mas para onde vou? Se Deus permitir, eu saio. Ou me tiram. Mas, pra ser sincera, eu gostaria de ficar. Se ao menos limpassem o igarapé. Está muito sujo”, diz dona Juraci de Souza, 54 anos.
A comandante de barco Estônia Gomes. Foto: Elaíze Farias

Políticas Públicas
A reportagem tentou saber da Prefeitura de Manaus se a administração tem planos de revitalização, reforma ou melhorias para a área da Manaus Moderna. Afinal, a atual gestão da prefeitura criou uma pasta, Secretaria Municipal do Centro, apenas para responder demandas da área. Pela assessoria de imprensa, porém, soube que aquele trecho não faz parte da atuação desta secretaria.
A Secretaria Municipal de Infra-Estrutura (Seminf) sinaliza com um projeto de revitalização do centro, estimado em R$ 1 milhão, que inclui pavimentação, faixa exclusiva para pedestres, balcões com baias para estacionamento e bilheteria para passageiros que usam barcos para viajar. Os recursos viriam da Caixa Econômica Federal, mas o banco ainda está analisando o projeto, segundo Antônio Nelson, diretor de engenharia da Seminf. “Esperamos que a Caixa libere esse recurso, que são sobras aplicadas em um outro projeto anterior e que só podem ser investidas no centro”, disse Nelson.
Como política pública para os moradores das palafitas há o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (Prosamim) que realiza assentamento de famílias, com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), principalmente quando afetadas por inundações durante o período de chuva. Essas famílias são reassentadas em unidades residenciais de baixa renda, e os igarapés canalizados, embora os pesquisadores da área de recursos hídricos em Manaus afirmem que o ideal seria revitalizar os cursos d´água e não aterrá-los.
uraci de Souza, em palafita no Igarapé de Educandos. Foto: Elaíze Farias

Sobre o Igarapé de Educandos, a assessoria de imprensa do Prosamim disse que ainda não há projeto destinado às (aproximadamente) 500 casas, e que as melhorias estão sendo realizadas em outros áreas de igarapés da cidade. A Pública também visitou o Igarapé dos Franceses, no bairro Alvorada I, próximo ao estádio. Além de residências humildes, encontrou dois campinhos de futebol, desolados e precários, cercados por um terreno baldio. Quase nada de área verde. “A maior parte dessa vegetação é mato. E ainda temos um igarapé poluído, sujo, que tem mau cheiro. E isso há poucos metros da arena”, disse o comerciante Francisco Gonçalves, de 80 anos, que circulou todo o trecho do Igarapé dos Franceses, um curso d’agua manso e poluído, com a Pública (mas não aceitou sair na foto).
“Moro aqui perto mas eu nem sei dizer o que penso sobre isso [a Copa]. Estou preocupado sobre o que vai acontecer com os moradores durante os jogos. Imagine como vai ficar isso aqui”, diz.
Falta de áuga na capital da “Rain Forest”
Há aproximadamente 40 anos, Manaus era uma cidade com pouco mais de 400 mil habitantes. Hoje, são quase dois milhões, segundo o Censo do IBGE de 2010, e os bairros que eram considerados como zona Norte já foram engolidos pela região central. A atual zona Norte forma com a zona Leste a “periferia” da capital, carregando todos os estigmas sociais dessas áreas.
São bairros nascidos de ocupação irregular que foram sendo urbanizados (a maioria das vezes de forma precária) por pressão dos seus moradores. Rraramente aparecem nos anúncios publicitários, com suas ruas esburacadas e mal iluminadas, tragadas por erosões, sistema de transporte público caótico, fornecimento de água irregular.
Um exemplo desse microcosmo da periferia de Manaus é o bairro Jorge Teixeira, localizado na zona Leste e dividido em 13 comunidades. Uma delas se chama João Paulo, formado por três blocos (etapas, dizem em Manaus).
Salatiel Cordovil dos Reis, 61 anos, é um dos moradores da etapa 3 e também a principal liderança comunitária. Para respaldar suas críticas, reclamações e denúncias contra descasos aos moradores, carrega sempre um exemplar da Constituição de 1988.
Um dos maiores “abusos” cometidos pelas autoridades, diz, é a cobrança de tarifa de água a que são submetidos há vários anos os moradores do bairro. A indignação tem um motivo simples: os moradores nunca tiveram fornecimento de água da concessionária privada Manaus Ambiental (nome adotado há dois anos, quando até então se chamava Águas do Amazonas).
“Deixei de pagar conta de água há vários anos pois nunca tive água em casa. Meu nome, assim como de outros moradores, foi parar no SPC (Serviço de Proteção ao Crédito), e está lá até hoje. Entramos na justiça para não pagar”, conta Salatiel, que elenca vários outros problemas da cidade: transporte público insuficiente, carência de posto de saúde, ausência de obras de melhorias das vias públicas, etc.
No final do ano passado, após muita pressão popular, a prefeitura e a concessionária de água firmaram um acordo para levar abastecimento de água aos moradores da zona Leste e há dois meses, segundo os moradores, a água começou a chegar, embora ainda sem regularidade e qualidade.
“Vem suja, poluída, com gosto ruim. A gente usa para lavar louça e tomar banho, mas não para beber. Muita gente daqui de casa passou mal e voltei a comprar água mineral”, diz a dona de casa Ângela de Souza, 27, moradora da rua Erva Doce, no Jorge Teixeira. Ângela também está endividada e com o “nome sujo”. Ela acumula faturas da concessionária de água cujo valor mensal médio é de R$ 600.
“Nunca tivemos água e continuamos recebendo faturas com esse valor. Não entendo como eles medem. Por isso decidir nunca pagar”, diz Ângela, cuja rua exibe várias crateras enlameadas por causa de vazamentos feitos pela concessionária para supostos consertos.
A Pública visitou outras ruas do bairro Jorge Teixeira e os bairros Nova Floresta e Grande Vitória, também na zona leste. Em várias partes dos bairros encontrou tubulações de água expostas na rua, sem proteção – até pouco tempo os moradores retiravam água de poços artesianos particulares. No bairro Nova Floresta, um morador foi flagrado retirando água de um cano quebrado da calçada e se justificou dizendo que ela vem mais limpa do que a que vai direto para as casas.
Francisca de Souza mostra contas de água. Foto: Valter Calheiros


No bairro Grande Vitória, a aposentada Francisca de Souza, 74, mostrou várias faturas de água que também nunca pagou: apesar de prometido, o abastecimento de água ainda não chegou e ela continua tirando água de um poço artesiano de um vizinho, para quem pagou R$ 700 pelo direito de uso. Sobre o que acha da Copa em Manaus, Francisca disse: “Se vai trazer benefícios, de certeza não será para mim, nem para a minha família, nem para o meu bairro. Para ser sincera, eu nem sei o que significa isso de benefício de que tanto falam”.
A Manaus Ambiental diz que o fornecimento e a rede de distribuição de água atende a 98% da população de Manaus e que até março pretende ampliar a cobertura para 100%. Também disse ter incorporado 16 mil novas ligações de água ao sistema atual e que vários bairros das zonas Norte e Leste estão sendo atendidos pelo Programa Águas para Manaus (PROAMA).
Em relação à qualidade da água, a Manaus Ambiental informou que a água tratada e distribuída pela concessionária atende integralmente todas as exigências da Portaria 2914/11 do Ministério da Saúde.

Rodrigo Pizeta, Especialista em Gestão Ambiental






As cidades campeãs de qualidade de vida no mundo

por Redação do EcoD 25/02/2014

Centro de Vienna - Austria

Quais são as cidades do mundo com os melhores níveis de qualidade de vida? Um novo estudo global da consultoria Mercer listou esses centros urbanos. No geral, Viena, na Áustria, ficou em primeiro lugar. Em último, ficou Bagdá, no Iraque.
O topo da lista é dominado por cidades da Europa. São Paulo aparece na 120º posição do ranking, distante das melhores da América do Sul e Central.
Para montar o ranking, foram levados em conta diversos critérios, como estabilidade política, criminalidade, liberdade de imprensa, serviços bancários, qualidade da educação e da saúde, transporte público, saneamento básico, acesso a água e eletricidade e ambiente cultural.
  • As 5 melhores do mundo
1. Viena (Áustria) – foto
2. Zurique (Suíça)
3. Auckland (Nova Zelândia)
4. Munique (Alemanha)
5. Vancouver (Canadá)
Veja a seguir os melhores do mundo e os melhores e piores por continente:
  • As melhores da América do Norte
1. Vancouver (Canadá) – foto
2. Ottawa (Canadá)
3. Toronto (Canadá)
4. Montreal (Canadá)
5. São Francisco (EUA)
  • As piores da América do Norte
1. Detroit (EUA) – foto
2. Saint Louis (EUA)
3. Houston (EUA)
4. Miami (EUA)
  • As melhores da América do Sul e Central
1. Pointe-À-Pitre (Guadalupe, ilha caribenha) – foto
2. San Juan (Porto Rico)
3. Montevidéu (Uruguai)
4. Buenos Aires (Argentina)
5. Santiago (Chile)
  • As piores da América do Sul e Central
1. Porto Príncipe (Haiti) – foto
2. Tegucigalpa (Honduras)
3. Caracas (Venezuela)
4. San Salvador (El Salvador)
  • As melhores da Europa
1. Viena (Áustria) – foto
2. Zurique (Suíça)
3. Munique (Alemanha)
4. Düsseldorf (Alemanha)
5. Frankfurt (Alemanha)
  • As piores da Europa
1. Tbilisi (Geórgia) – foto
2. Minsk (Bielorússia)
3. Yerevan (Armênia)
4. Tirana (Albânia)
5. São Petersburgo (Rússia)
  • As melhores da Ásia
1. Singapura (Singapura) – foto
2. Tóquio (Japão)
3. Kobe (Japão)
4. Yokohama (Japão)
5. Osaka (Japão)
  • As piores da Ásia
1. Dushanbe (Tajiquistão) – foto
2. Dhaka (Bangladesh)
3. Ashkhabad (Turcomenistão)
4. Bishkek (Quirguistão)
5. Tashkent (Uzbequistão)
  • As melhores da Oceania
1. Auckland (Nova Zelândia) – foto
2. Sidney (Austrália)
3. Wellington (Nova Zelândia)
  • As melhores do Oriente Médio e África
1. Dubai (Emirados Árabes Unidos) – foto
2. Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos)
3. Port Louis (Ilhas Maurício)
4. Durban (África do Sul)
  • As piores do Oriente Médio e África
1. Bagdá (Iraque) – foto
2. Bangui (República Centro-Africana)
3. N’Dejamena (Chade)
4. Sana (Iêmen)

Rodrigo Pizeta, Especialista em Gestão Ambiental